Comissária Científica | Annabela Rita. Doutorada em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea e Agregada em Literatura.

Scientific Commissioner | Annabelle Rita. PhD in Modern and Contemporary Portuguese Literature and Aggregate in Literature.


Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai, Deus!, se verrá cedo!


Ondas do mar levado,
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus!, se verrá cedo!


Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus!, se verrá cedo!


Se vistes meu amado,
por que hei gran cuidado!
E ai Deus!, se verrá cedo!


Martim Codax, Cancioneiro da Vaticana, séc. XIII
Martim Codax, Cancioneiro da Vaticana, 13th century


Folha 1 do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, 1516. Folio 1 of Cancioneiro Geral by Garcia de Resende, 1516.
Folha 1 do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, 1516. Folio 1 of Cancioneiro Geral by Garcia de Resende, 1516.

CERRA A SERPENTE OS OUVIDOS


Cerra a serpente os ouvidos
à voz do encantador;
eu nam, e agora, com dor,
quero perder meus sentidos.
Os que mais sabem do mar
fogem d'ouvir as Sereas;
eu não me soube guardar:
fui-vos ouvir nomear,
fiz minh'alma e vida alheas.


Francisco Sá de Miranda, Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, 1516


APENAS VI DO DIA A LUZ BRILHANTE


Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.


Aos dois lustros a morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.


Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.


E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,

Suspiro pela paz da sepultura.


Manuel Maria Barbosa Du Bocage, Poesias, 1853

II

Singra o navio. Sob a agua clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
-Impeccavel figura peregrina,
A distancia sem fim que nos sepára!


Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente côr de rosa,
Na fria transparencia luminosa
Repousam, fundos, sob a agua plana.


E a vista sonda, reconstrue, compára.
Tantos naufragios, perdições, destróços!
-Ó fulgida visão, linda mentira!


Roseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivem desengastára...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos...


Camilo Pessanha, Clepsidra, 1926


A TEMPESTADE
Virgílio,
Coeco carpitur igni


I
Sobre um rochedo
Que o mar batia,
Triste gemia
Um desgraçado,
Terno amador.
Já nem lhe caem
Dos olhos lágrimas,
Suspiros férvidos
Apenas contam
Seu triste amor.


II
Ondas, clamava o mísero,
Ondas que assim bramais,
Ouvi meus tristes ais!
Horrível tempestade,
Medonho furacão,
Não é mais agitado
Do que o meu coração,
O vosso despregado,
Horrisonoo bramar!
Ancia que atropela
Meu lânguido peito,
É mais violenta
Que o tempo desfeito,
Que a onda encapela,
Que a agita a tormenta
No seio do mar.


III

Mas, ah! se o negrume
O sol dissipara
Calmara
Seu nume,
O horror do tufão.
Assim à minha alma
A calma
Daria
De Armia
Um sorriso:
Um raio de esprança
Do paraíso
Traria
A bonança
Ao meu coração.


João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, 1928 


HORIZONTE


Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.


Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.


O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade. 


Fernando Pessoa, Mensagem, 1934

ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA


Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o odio da sua guerra
E pasmam. Pelo valle onde se ascende aos céus
Surge um silencio, e vae, da nevoa ondeando os véus.
Primeiro um movimento e depois um assombro.
Ladeiam-o, ao durar, os medos, hombro a hombro,
E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões


Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
Cahe-lhe, e em extase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abysmo à alma do Argonauta.


Fernando Pessoa, Mensagem, 1934



MAR


Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,

É só porque as tuas ondas são puras. 


Sophia de Mello Breyner Andresen, Poesia I, 1944

MAR SONORO


Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do Mar, 1947



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MEMÓRIA


Tudo que sou, no imaginado
silêncio hostil que me rodeia,
é o epitáfio de um pecado
que foi gravado sobre a areia.


O mar levou toda a lembrança.
Agora sei que me detesto:
da minha vida de criança
guardo o prelúdio dum incesto.


O resto foi o que eu não quis:
perseguição, procura, enlace,
desse retrato feito a giz
pra que não mais eu me encontrasse.


Tu foste a noiva que não veio,
irmã somente prometida!
- O resto foi a quebra desse enleio.
O resto foi amor, na minha vida.


David Mourão-Ferreira, Tempestade de Verão, 1954 

VASCO DA GAMA


Somos nós que fazemos o destino.
Chegar à índia ou não
É um íntimo desígnio da vontade.
Os fados a favor
E a desfavor,
São argumentos da posteridade.


O próprio génio pode estar ausente
Da façanha.
Basta que nos momentos de terror,
Persistente,
O ânimo enfrente
A fúria de qualquer Adamastor.


O renome é o salário do triunfo.
O que é preciso, pois, é triunfar.
Nunca meia viagem consentida!
Nunca meia medida.
Do vinho que nos há-de embriagar!


Miguel Torga, Poemas Ibéricos, 1965


TORMENTA


Noite medonha, aquela!
O mar tanto engolia a caravela
Como a exibia à tona, desmaiada!
No abismo do céu nem uma estrela!
E a cruz de Cristo, a agonizar na vela,
Suava sangue sem poder mais nada!


A fúria cega tufão raivoso
Vinha das trevas desse Tenebroso
E varria a quimera de convés...
O mastro grande que Leiria deu
Era um homem de pinho, mais caiu
Quando um raio o abriu de lés a lés...


Novo guarda dos rumos da Nação,
O piloto guiava a perdição
Como um pai os destinos do seu lar...
Até que o lar inteiro se desfez.
Até que ao pai chegou também a vez
De fazer uma prece e descansar...


O gajeiro sem gávea, dessa altura
Que a alma atinge ao rés da sepultura,
Olhou ainda a bruma em desafio...
Mas a Sereia Negra, que cantava
No coração do mar, tanto chamava,
Que ele deu-lhe aquele olhar cansado e frio.


O naufrágio alargou-se ao mar inteiro.
E o corpo morto dum herói, primeiro
Cruzado da unidade deste mundo,
No dorso frio duma onda irada,
Mandou aos mortos, com a mão na espada,
Boiar o sonho, que não fosse ao fundo. 

Miguel Torga, Poemas Ibéricos, 1965

MAR


Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Eras um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...


Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...


Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!


Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!


Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento! 


Miguel Torga, Poemas Ibéricos, 1965


MAR DE SETEMBRO


Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves - só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto
puríssimo, doirado.


Eugénio de Andrade, Poemas de Eugénio de Andrade, 1999

MAR


Ventos estáveis, gaivotas sobre
os molhes. A rebentação fixa-se
no ouvido. O som da água
nas fissuras da rocha, os gritos
que se perdem nas praias.


Barco ancorados
na floresta.


Nuno Júdice, A pura inscrição do amor, 2018