Comissário Científico | João Paulo Oliveira e Costa. Professor Catedrático.

Scientific Commissioner | João Paulo Oliveira e Costa. University Professor.


Vasco da Gama, Museu Nacional de Arte Antiga. Escola Portuguesa, século XVI | Vasco da Gama, National Museum of Ancient Art. Portuguese School, 16th century
Vasco da Gama, Museu Nacional de Arte Antiga. Escola Portuguesa, século XVI | Vasco da Gama, National Museum of Ancient Art. Portuguese School, 16th century

VASCO DA GAMA

Nascera no ano do Senhor de 1469, tendo como berço a vila de Sines. Seu pai, Estevão da Gama, um nobre de baixa linhagem, era o alcaide daquelas terras.

Gama era de tamanho meão, encorpado, cheio de carnes, rosto avermelhado, barba farta e negra que lhe comia parte da caraça curtida pelo sol. Tinha um ar áspero que não mascarava e uma possante voz de comando. Era tido como "mui fragueiro de condição", pelo que, mais que amado era temido. Contudo, o que perdia em grosseria ganhava em determinação.  (...)

De barbas encharcadas, Gama não se afastava do leme, sempre a fustigar com impropérios o piloto Pêro de Alenquer. "A sul. A sul...!" Os homens clamavam por Deus, queriam voltar para trás que o inferno era feito de água e não de chamas, diziam. Mas Gama gritava que era mister chegar às índias para a glória de Portugal (e sua) e que não havia infernos que tolhessem a danação que lhe assanhava os dentes e o impelia a seguir avante. "A sul. A sul...!" Os homens suplicavam "pardeos, meu senhor...", e ele sempre a grunhir "se o mar vos não mata, vos mato eu, perros danados... A sul. A sul...!" Estavam rotos os marinheiros e os barcos, a água entrava por todos os lados, os calafates davam às bombas sem tempo de paro, sem tempo de maldizer a vida, sem tempo de um ai, de um credo. No leme já ninguém sabia onde era o sul. Onde era o fim dos penhascos, o fim do tormento, o fim do pesadelo. Chuva e trovões a rasgar o céu - a única luz, e o bandear das madeiras na fúria desgarrada das águas salgadas. Os corpos tão partidos como os mastros, de dias e dias de contenda com mar e com os ventos. Uma briga desigual de forças. As naus pareciam árvores de Inverno, com o cordame a rasgar-se, as velas a esgarçarem, as madeiras a ranger e a quebrar. "A sul. A sul...!", vociferava o capitão-mor.

in "Vasco da Gama - O Terror das Índias", João Morgado, 2016.

João Morgado nasceu em Aldeia do Carvalho, Covilhã, no dia 5 de Maio de 1965.

É poeta e romancista. Recebeu a 13 de Junho de 2017 a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural, oficializada pela República Federativa do Brasil, pela sua investigação sobre a vida de Pedro Álvares Cabral.  

VASCO DA GAMA

"He was born in the year of the Lord 1469, having as his birthplace the town of Sines. His father, Estevão da Gama, a nobleman of low lineage, was the mayor of those lands. Gama was medium-sized, full-bodied, bulky, red in the face, and a thick black beard that covered part of his sun-tanned face. He had a gruff air that didn't hide and a powerful commanding voice. He was considered to be "very poor in condition", so, more than loved, he was feared. However, what he lost in rudeness he gained in determination. (...)

With his beard soaked, Gama never left the helm, always lashing out at pilot Pêro de Alenquer. "South. To the South...!" Men were crying out for God, they wanted to go back to that hell was made of water and not flames, they said. But Gama shouted that it was necessary to reach the Indies for the glory of Portugal (and his) and there was no Hell to stop the damnation that gnawed his teeth and impelled him forward. "South. To the South...!" The men begged "by God, my lord...", and he was always grunting "if the sea doesn't kill you, I will, damned dogs... To the South. To the South...!" The sailors and boats were broken, the water was pouring in from all sides, the caulks gave the pumps no time to stop, no time to curse life, no time for an woe, for a creed. At the helm no one knew where South was anymore. Where was the end of the cliffs, the end of the torment, the end of the nightmare. Rain and thunder tore the sky - the only light, and the slamming of the woods in the straying fury of the salt waters. The bodies as broken as the masts, from days and days of struggle with the sea and the winds. An unequal struggle of forces. The ships looked like Winter trees, the rigging ripping, the sails fraying, the wood creaking and breaking. "South. To the South...!" the captain-major roared."

in "Vasco da Gama - The Terror of the Indies", João Morgado, 2016.

João Morgado was born in Aldeia do Carvalho, Covilhã, on May 5, 1965.

He is a poet and novelist. On June 13, 2017, he was granted the Grand Cross of the Order of Civic and Cultural Merit by the Federative Republic of Brazil, for his investigation about the life of Pedro Álvares Cabral.

Armas de Vasco da Gama, Almirante da Índia, in Livro do Armeiro-Mor (fl 87), Armas dos condes da Vidigueira e marqueses de Nisa, 1509, Livro do Armeiro-Mor, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa | Coat of Arms of Vasco da Gama, Admiral of India, in “Livro do Armeiro-Mar” (fl 87) Coat of Arms of the Counts of Vidigueira and Marquises of Nisa, 1509 Book of Armeiro-Mor, National Archives Torre do Tombo, Lisbon
Armas de Vasco da Gama, Almirante da Índia, in Livro do Armeiro-Mor (fl 87), Armas dos condes da Vidigueira e marqueses de Nisa, 1509, Livro do Armeiro-Mor, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Lisboa | Coat of Arms of Vasco da Gama, Admiral of India, in “Livro do Armeiro-Mar” (fl 87) Coat of Arms of the Counts of Vidigueira and Marquises of Nisa, 1509 Book of Armeiro-Mor, National Archives Torre do Tombo, Lisbon
Assinatura de Vasco da Gama | Vasco da Gama's signature
Assinatura de Vasco da Gama | Vasco da Gama's signature

OS DESCOBRIMENTOS

Até ao início do século XV não se conhecia o Atlântico senão ao longo da costa europeia.

Os Portugueses iniciaram a exploração das águas desconhecidas em 1434.

Foi uma vitória da civilização europeia sobre o medo que permitiu o desencadear da globalização através da exploração dos oceanos. Ao chegarem a um porto desconhecido, os europeus descobriam e eram descobertos.

Ao longo do século XV, os Descobrimentos possibilitaram o reconhecimento da costa ocidental africana.

O mapa-múndi de Fra Mauro em 1459 (a orientação original é invertida, com o Sul para cima). O mapa mostra o velho mundo conhecido: a Ásia, a África e a Europa.  Fra Mauro's world map in 1459 (original orientation is reversed, south facing up). The map shows the old known world: Asia, Africa and Europe.
O mapa-múndi de Fra Mauro em 1459 (a orientação original é invertida, com o Sul para cima). O mapa mostra o velho mundo conhecido: a Ásia, a África e a Europa. Fra Mauro's world map in 1459 (original orientation is reversed, south facing up). The map shows the old known world: Asia, Africa and Europe.
Mapa de Henricus Martellus Germanus, 1490 c. Londres, Museu Brtitânico, MS. add. 15760, fol. 68v-69. (Kish 1980, tav. 52)  Map of Henricus Martellus Germanus, 1490 c. London, British Museum, MS. add. 15760, fol. 68v-69. (Kish 1980, tav. 52)
Mapa de Henricus Martellus Germanus, 1490 c. Londres, Museu Brtitânico, MS. add. 15760, fol. 68v-69. (Kish 1980, tav. 52) Map of Henricus Martellus Germanus, 1490 c. London, British Museum, MS. add. 15760, fol. 68v-69. (Kish 1980, tav. 52)

THE DISCOVERIES

Until the beginning of the 15th century, the Atlantic was unknown except along the European coast.

The Portuguese began exploring the unknown waters in 1434.

It was a victory for European civilization over fear that allowed globalization to unleash through the exploitation of the oceans. Upon reaching an unknown port, Europeans discovered and were discovered.

Throughout the 15th century, the Discoveries enabled the recognition of the West African coast.


"Em nome de Deus, Amen.

Na era de 1497 mandou el-rei D. Manuel, o primeiro deste nome em Portugal, a descobrir quatro navios, os quais iam em busca de especiaria, dos quais navios ia por capitão-mor Vasco da Gama, e dos outros: dum deles Paulo da Gama, seu irmão, e do outro Nicolau Coelho."

Diário da Viagem de Vasco da Gama

"In the name of God, Amen.

In the era of 1497, King Manuel, the first of this name in Portugal, sent to discover four ships, in search of spice, of which ships went as Captain General Vasco da Gama, and of the others: one of them Paulo da Gama, his brother, and the other Nicolau Coelho."

Vasco da Gama's Voyage Diary

O REI ENVIA A ARMADA COM O PARECER NEGATIVO DO CONSELHO. MAIS TARDE, LUÍS VAZ DE CAMÕES DEU VOZ AOS QUE SE OPUNHAM À EMPRESA DA ÍNDIA CRIANDO A FIGURA DO VELHO DO RESTELO.

THE KING SENDS THE ARMADA WITH THE NEGATIVE OPINION OF THE COUNCIL. LATER, LUÍS DE CAMÕES GAVE VOICE TO THOSE OPPOSING THE INDIA COMPANY, CREATING THE FIGURE OF THE OLD MAN IN RESTELO.

O Velho do Restelo, óleo s/ tela, 1904, Columbano Bordalo Pinheiro Inv. Nº: MML00528, Museu Militar de Lisboa. The Old Man from Restelo, oil on canvas, 1904, Columbano Bordalo Pinheiro Inv. Nº: MML00528, Lisbon Military Museum.
O Velho do Restelo, óleo s/ tela, 1904, Columbano Bordalo Pinheiro Inv. Nº: MML00528, Museu Militar de Lisboa. The Old Man from Restelo, oil on canvas, 1904, Columbano Bordalo Pinheiro Inv. Nº: MML00528, Lisbon Military Museum.

"Mas um velho d'aspeito venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:


"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!"


Os Lusíadas, Camões, Canto IV, 94 - 95


A TRAVESSIA DO ATLÂNTICO

THE ATLANTIC CROSSING

A armada fez escala em Cabo Verde e Vasco da Gama assistiu à missa na igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Ribeira Grande.

O "Planisfério de Cantino", de autoria de um cartógrafo Português desconhecido em 1502, é um dos documentos cartográficos mais preciosos de todos os tempos. Retrata o mundo, como ficou conhecido pelos europeus após as grandes viagens de exploração no final do século XV e início do século XVI para as Américas, África e Índia. 

"Partimos do Restelo um sábado, que eram 8 dias do mês de julho da dita era de 1497, nosso caminho, que Deus Nosso Senhor deixe acabar em seu serviço. Amen (...)

E ao outro dia, que era quinta-feira [27/7], chegámos à ilha de Santiago, onde pousámos na praia de Santa Maria com muito prazer e folgar. (...)

E em 22 do dito mês, indo na volta do mar ao sul e a quarta do sudoeste, achámos muitas aves, feitas como garções e, quando veio a noite tiravam contra o sussueste muito rijas como aves que iam para terra."

"À quarta-feira, lançámos âncora na dita baía, onde estivemos oito dias limpando os navios e corrigindo as velas e tomando lenha. (...)

Na terra há homens baços, que não comem senão lobos marinhos e baleias, e carne de gazelas, e raízes de ervas; e andam cobertos com peles e trazem umas bainhas em suas naturas. E as suas armas são uns cornos tostados, metidos em umas varas de zambujo; e têm muitos cães, como os de Portugal, e assim mesmo ladram. As aves desta terra são assim mesmo como as de Portugal: corvos marinhos, gaivotas, rolas e cotovias e outras muitas aves. E a terra é muito sadia e temperada e de boas ervas."

Diário da viagem de Vasco da Gama

The fleet made a stopover in Cape Verde and Vasco da Gama attended mass in the church of Nossa Senhora do Rosário, in Ribeira Grande.[JC1]

The Cantino Planisphere, by an unknown Portuguese cartographer in 1502, is one of the most precious cartographic documents of all time. It depicts the world, as it became known to the Europeans after the great exploration voyages at the end of the fifteenth and beginning of the sixteenth century to the Americas, Africa and India.

"We left Restelo on a Saturday, 8 days in the month of july of the era of 1497, our way, may God Our Lord allow it to end in his service. Amen (...)

And the other day, which was Thursday [7/27], we arrived at the island of Santiago, where we landed on Santa Maria beach with great pleasure and relaxation. (...)

And on the 22nd of the said month, going around the sea to the south and the fourth to the southwest, we found many birds, made like waiters, and when night came they took off against the southeast, very tough like birds that went to land."

"On Wednesday, we dropped anchor in the said bay, where we spent eight days cleaning the ships and fixing the sails and gathering firewood. (...)

On earth there are dull men, who eat only sea lions and whales, and gazelle flesh, and grass roots; and they walk covered with skins and wear sheaths in their nature. And their weapons are toasted horns, stuck in zambujo sticks; and they have many dogs, like those in Portugal, and they bark in the same way. The birds of this land are just like those of Portugal: cormorants, seagulls, turtledoves and larks and many other birds. And the land is very healthy and temperate and of good herbs."

Vasco da Gama's voyage diary

Planisfério de Cantino, 1502, Biblioteca Estense Universitaria, Modena, Itália. Cantino Planisphere, 1502, Estense University Library, Modena, Italy.
Planisfério de Cantino, 1502, Biblioteca Estense Universitaria, Modena, Itália. Cantino Planisphere, 1502, Estense University Library, Modena, Italy.

O ADAMASTOR

Aparição do Adamastor, óleo s/ tela, Carlos Reis, 1941. Colecção privada.  Apparition of Adamastor, oil on canvas, Carlos Reis, 1941. Private collection.
Aparição do Adamastor, óleo s/ tela, Carlos Reis, 1941. Colecção privada. Apparition of Adamastor, oil on canvas, Carlos Reis, 1941. Private collection.

«Não acabava, quando ũa figura

Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

«Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

«E disse: - «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d' estranho ou próprio lenho;

Os Lusíadas, Episódio do Gigante Adamastor, Canto V, 39-41

O mostrengo que está no fim do mar

Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo;
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Mensagem, IV. O Mostrengo, Fernando Pessoa

A REINTERPRETAÇÃO AFRICANA

THE AFRICAN REINTERPRETATION 

Pintura existente na Biblioteca da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, elaborada em 1998 para assinalar o 4º centenário da passagem de Vasco da Gama.

Realizada com o ANC (Congresso Nacional Africano) já no poder, conclui com o nascimento de um homem novo, filho do europeu e da africana.

Existing painting in Library of the University of the Witwatersrand, in Johannesburg, created in 1998 to mark the 4th centenary of Vasco da Gama's passage.

Held with the ANC (African National Congress) already in power, it concludes with the birth of a new man, son of the European and the African.


AGUADA DE SÃO BRÁS E RIO DO INFANTE
MOSSEL BAY

Rio do Infante, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Infante River, photography by Prof. João Paulo Oliveira e Costa
Rio do Infante, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Infante River, photography by Prof. João Paulo Oliveira e Costa

WATER SUPPLY OF SÃO BRÁS AND INFANTE RIVER
MOSSEL BAY

Mossel Bay, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Mossel Bay, photography by Prof. João Paulo Oliveira e Costa
Mossel Bay, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Mossel Bay, photography by Prof. João Paulo Oliveira e Costa

"Em esta angra está um ilhéu em mar, três tiros de besta; e em este ilhéu há muito lobos marinhos e deles são tão grandes como ursos muito grandes e são muito temerosos e têm muito grandes dentes; e vêm-se aos homens e nenhuma lança, por [mais] força que leve, os não pode ferir"

Diário da viagem de Vasco da Gama

"E partido João da Nova de Lisboa sem lhe acontecer cousa que seja de contar foi ter à aguada de São Brás, onde se achou em terra um sapato dependurado em uma árvore com uma carta dentro que dizia que passara por aí Pero de Ataíde, que fora com Pedro Álvares Cabral, e contava o que lhe acontecera em Calicute, Cochim e Cananor, porque soubessem os capitães portugueses que não haviam de ir a Calicute senão a Cochim."

In Fernão Lopes de Castanheda, História da Conquista da Índia pelos portugueses, livro I, cap. XLIII

Um marco do correio evoca o facto de esta praia ter sido inicialmente um local onde os Portugueses que iam e vinham deixavam mensagens para os que seguiam em sentido oposto

"Estando em esta angra de São Brás tomando água, uma quarta-feira, pusemos uma cruz e um padrão em a dita angra de São Brás, a qual cruz fizemos de uma mezena e era muito alta. E à quinta-feira seguinte, estando nós para partir da dita angra, fomos obra de 10 ou 12 negros, os quais antes que nós dali partíssemos derrubaram assim a cruz como o padrão"

(...) A noite seguinte estivemos à corda, porquanto éramos tanto avante como o rio do Infante que era a derradeira terra que Bartolomeu Dias descobriu".

Diário da viagem de Vasco da Gama.

"In this cove there is an islet in the sea, three crossbow shots; and in this islet there are many sea lions and of them they are as big as very big bears and they are very fearful and they have very big teeth; and men are seen, and no spear, however strong it may take, cannot smite them."

Vasco da Gama's travel diary

"And left João da Nova from Lisbon without anything happening to him, he went to São Brás water suplly, where a shoe was found on land hanging from a tree with a letter inside that said that Pero de Ataíde had passed by, He went with Pedro Álvares Cabral, and told what had happened to him in Calicut, Cochin and Cannanore, because the Portuguese captains knew that they would not go to Calicut but to Cochin."

In Fernão Lopes de Castanheda, History of the Conquest of India by the Portuguese, book I, cap. XLIII

A mailbox evokes the fact that this beach was initially a place where the Portuguese who came and went left messages for those who went in the opposite direction.

"While being in this creek of São Brás drinking water, one Wednesday, we put a cross and a column in the said creek of São Brás, which cross we made of a mizzen and it was very high. And on the following Thursday, as we were about to leave the cove, we were the work of 10 or 12 blacks, who, before we left there, knocked down the cross as the pattern."

(...) The following night we were on the ropes, as we were as far ahead as the Infante River, which was the last land that Bartolomeu Dias discovered".

Vasco da Gama's voyage diary.


MOÇAMBIQUE

Ilha de Moçambique, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Mozambique Island, photograph by Prof. João Paulo Oliveira e Costa
Ilha de Moçambique, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Mozambique Island, photograph by Prof. João Paulo Oliveira e Costa

MOZAMBIQUE

Ao chegarem à ilha de Moçambique "mais nos disseram que o Preste João estava dali perto; e que tinha muitas cidades ao longo do mar, e que os moradores delas eram grandes mercadores e tinham grandes naus. Mas que o Preste João estava muito dentro pelo sertão, e que não podiam lá ir senão em camelos; (...)

E estas cousas e outras muitas nos diziam estes mouros, do que éramos tão ledos que com prazer chorávamos; e rogávamos a Deus que lhe aprouvesse de nos dar saúde, para que víssemos o que todos desejávamos.

Diário da viagem de Vasco da Gama.

When they arrived on the island of Mozambique, "they told us that Prester João was nearby; and that he had many cities along the sea, and that the inhabitants of them were great merchants and had great ships. But that Prester John was far into the hinterland, and that they could only go there on camels; (...)

And these things and many others told us these Moors, about which we were so happy that we wept with pleasure; and we prayed to God that it would please Him to give us health, that we might see what we all desired.

Vasco da Gama's voyage diary.

Melinde, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Melinde, photograph by Prof. João Paulo Oliveira e Costa
Melinde, fotografia de Prof. Doutor João Paulo Oliveira e Costa Melinde, photograph by Prof. João Paulo Oliveira e Costa

MELINDE

Neste dia ao sol-posto lançámos âncora em direito dum lugar que se chama Melinde, o qual está de Mombaça 30 léguas.

Ao fundo (visto de norte) o ancoradouro onde fundearam os navios de Vasco da Gama.

Diário da Viagem de Vasco da Gama.

MELINDE

On this day at sunset we dropped anchor straight from a place called Malindi, which is 30 leagues from Mombasa. 

In the background (seen from the north) the anchorage where Vasco da Gama's ships anchored.

Vasco da Gama's Voyage Diary.

Vasco da Gama ouve o Piloto Oriental, óleo s/ tela, 1907, José Malhoa  Inv. Nº: MML00544, Museu Militar de Lisboa Vasco da Gama listens to the Oriental Pilot, oil on canvas, 1907, José Malhoa Inv. Nº: MML00544, Lisbon Military Museum.
Vasco da Gama ouve o Piloto Oriental, óleo s/ tela, 1907, José Malhoa Inv. Nº: MML00544, Museu Militar de Lisboa Vasco da Gama listens to the Oriental Pilot, oil on canvas, 1907, José Malhoa Inv. Nº: MML00544, Lisbon Military Museum.

“A chegada de Vasco da Gama a Calecut em 1498”, Roque Gameiro. Lisboa: José Bastos, [ca 1900]. - 1 gravura: litografia, color. “The arrival of Vasco da Gama to Calicut in 1498”, Roque Gameiro. Lisbon: José Bastos, [ca 1900]. - 1 engraving: lithograph, color.
“A chegada de Vasco da Gama a Calecut em 1498”, Roque Gameiro. Lisboa: José Bastos, [ca 1900]. - 1 gravura: litografia, color. “The arrival of Vasco da Gama to Calicut in 1498”, Roque Gameiro. Lisbon: José Bastos, [ca 1900]. - 1 engraving: lithograph, color.

A CHEGADA A CALECUTE

"E ao outro dia [21 de maio de 1498], isso mesmo vieram estes barcos aos nossos navios, e o capitão-mor mandou um dos degredados a Calecute; e aqueles com que ele ia levaram-no onde estavam dois mouros de Tunes, que sabiam falar castelhano e genovês. E a primeira salva que lhe deram foi esta, que ao diante se segue:

  • Ao diabo que te dou; quem te trouxe cá?
  • E perguntaram-lhe o que vínhamos buscar tão longe. E ele respondeu:
  • Vimos buscar cristãos e especiaria."

Diário da Viagem de Vasco da Gama.

THE ARRIVAL TO CALECUTE

"And the other day [May 21, 1498], these ships came to our ships, and the captain-major sent one of the exiles to Calicut; and those he was going with took him to where two Moors from Tunis were, who could speak Castilian and Genoese. And the first salvo they gave him was this one, which follows:

  • To the devil I give you; who brought you here?
  • And they asked him what we were looking for so far. And he replied:
  • We came for Christians and spice."

Vasco da Gama's Voyage Diary.

Vasco da Gama perante o Samorim de Calecute, 1898, Veloso Salgado, óleo s/ tela, Sociedade de Geografia de Lisboa. Vasco da Gama before the Samorim of Calicut, 1898, Veloso Salgado, oil on canvas, Lisbon Geography Society.
Vasco da Gama perante o Samorim de Calecute, 1898, Veloso Salgado, óleo s/ tela, Sociedade de Geografia de Lisboa. Vasco da Gama before the Samorim of Calicut, 1898, Veloso Salgado, oil on canvas, Lisbon Geography Society.

KERALA, O PRIMEIRO CONTACTO COM O (DESCONHECIDO) HINDUÍSMO

FIRST CONTACT WITH (UNKNOWN) HINDUISM

"Aqui nos levaram a uma grande igreja, em a qual estavam estas coisas seguintes:

Primeiramente o corpo da igreja é da grandura dum mosteiro, toda lavrada de cantaria, telhada de ladrilho. E tinha à porta principal um padrão de arame, da altura de um mastro, e em cima deste padrão está uma ave, que parece galo. (...) e dentro estava uma imagem pequena, a qual eles diziam que era Nossa Senhora. E diante da porta principal da igreja, ao longo da parede, estavam sete campanas pequenas. Aqui fez o capitão-mor oração e nós com ele.

(...)

E outros muitos santos estavam pintados pelas paredes da igreja, os quais tinham diademas; e a sua pintura era em diversa maneira, porque os dentes eram tão grandes que saíam da boca uma polegada, e cada santo tinha quatro ou cinco braços.

E abaixo da igreja estava um grande tanque, lavrado de cantaria, assim como outros muitos que pelo caminho tínhamos visto"

Diário da Viagem de Vasco da Gama

"Here we were taken to a large church, in which were these following things: 

Firstly, the body of the church is the size of a monastery, all carved in stonework, roof tiled. And at the main door there was a pattern of wire, the height of a pole, and on top of this pattern is a bird, which looks like a rooster. (...) and inside was a small image, which they said was Our Lady. And in front of the main door of the church, along the wall, were seven small bells. Here the captain-major prayed and we with him.

(...)

And many other saints were painted on the walls of the church, which diadems; and the painting was in a different manner, for the teeth were so great that they protruded an inch from the mouth, and each saint had four or five arms. 

And below the church was a large pond, hewn out of stone, as were many others that we had seen along the way."

Vasco da Gama's Voyage Diary

Templo de Mamallapuram, Kerala Mamallapuram Temple, Kerala
Templo de Mamallapuram, Kerala Mamallapuram Temple, Kerala

A MEMÓRIA CONSTRUÍDA (E REVISTA)

"Deste lugar levou o catual Vasco da Gama a um pagode de seus ídolos, dizendo-lhe que era uma igreja de muita devoção; e assim cuidou ele mais porque lhe viu sobre a porta sete sinos pequenos, e diante dela um padrão de arame da altura de um mastro de nau e no capitel uma grande ave do mesmo arame que parecia galo e a igreja era do tamanho de um grande mosteiro, lavrada toda de cantaria e telhada de ladrilho, que prometia ser de dentro um formoso edifício. E Vasco da Gama alegrou-se muito de a ver, e pareceu-lhe que estava entre cristãos (...)

E indo por esta igreja viram muitas imagens pintadas pelas paredes, e delas tinham tamanhos dentes que saíam fora da boca uma polegada e outros tinham quatro braços e eram feias de rosto que pareciam diabos, o que pôs alguma dúvida nos nossos de crerem que era igreja de cristãos. (...)

(...) os quais acenando para a imagem nomeavam Santa Maria, dando a entender que era aquela a sua imagem. E parecendo assim a Vasco da Gama, assentou-se em joelhos, e os nossos com ele, e fizeram oração. E João de Sá, que estava duvidoso de ser aquilo igreja de cristãos por ver aquela fealdade das imagens que estavam pintadas nas paredes, sem e assentando de joelhos disse: se isto é Diabo, eu adoro o Deus verdadeiro. E Vasco da Gama, que o ouviu, olhou-o para ele sorrindo-se."

Fernão Lopes de Castanheda, História da Conquista da Índia pelos portugueses, livro I, cap. XVI.

THE CONSTRUCTED MEMORY (AND REVISED)

"From this place he took Vasco da Gama to a pagoda of his idols, telling him that it was a church of great devotion; and so he took more care because he saw on the door seven small bells, and in front of it a pattern of wire the height of a ship's mast and in the capital a large bird of the same wire that looked like a rooster and the church was the size of a large monastery, all carved with stonework and tiled roof, which promised to be a beautiful building from within. And Vasco da Gama was very happy to see her, and it seemed to him that he was among Christians (...)

And going by this church, they saw many images painted on the walls, and of them they had such teeth that they came out of their mouths an inch and others had four arms and were ugly with faces that looked like devils, which put some doubt in our people to believe that it was a church. of Christians. (...)

(...) who, waving at the image, named Santa Maria, implying that that was their image. And looking like Vasco da Gama, he sat down on his knees, and ours with him, and they prayed. And João de Sá, who was doubtful of being that church of Christians for seeing that ugliness of the images that were painted on the walls, without and sitting on his knees said: if this is the Devil, I adore the true God. And Vasco da Gama, who heard him, looked at him with a smile."

Fernão Lopes de Castanheda, History of the Conquest of India by the Portuguese, book I, cap. XVI.


FONTES/SOURCES:

CASTANHEDA, Fernão Lopes de História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, 2 vols, Porto, Lello Editora, 1975.

"Relação da viagem de Vasco da Gama" (João Paulo Oliveira e Costa e Alexandra Pelúcia eds), in Obras pioneiras da cultura portuguesa (dir. José Eduardo Franco e Carlos Fiolhais), 30 vols, Lisboa, 2017-2019, Círculo de Leitores, vol. 4, 2018, pp. 35-45 e 299-368.

THOMAZ, Luís Filipe e RADULET, Carmen (eds), Viagens portuguesas à Índia (1497-1513), Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2002.

BARROQUEIRO, Deana, História dos Paladares - 1.º Volume - Sedução, 2.º Volume - Perdição, 3.º Volume - Redenção (2020-2022), Lisboa, Prime Books.

Trilogia premiada com o Prix Internationale de La Literature Gastronomique, da Académie Internatinale de La Gastronomie; Gourmand World Cookbook Awards - History of Culinary and Series; Gourmand Best in the World Award.

ESTUDOS/STUDIES:

COSTA, João Paulo Oliveira e, D. Manuel I, um príncipe do Renascimento, Lisboa, Círculo de Leitores, 2005.

SUBRAHMANYAM, Sanjay, A carreira e a lenda de Vasco da Gama, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998 (original Cambridge, 1997).